Vigilante da Serra da Capivara divulga áudio com denúncia contra chefia de Parque Nacional

Piauí fornece carne de animais silvestres para Bahia e ICMBio perde o controle na reserva onde a caça cresceu

“O que está acontecendo é que a atual chefe do parque nacional, ela é cargo DAS… ela morre de medo de ter confusão, né? …a ação que se coordena bem feita pelo ICMBio, ela causa impacto, como causou… a gente sabe que existe o tráfico de carne pesado, a gente sabe que o Piauí fornece carne, principalmente para Bahia, para restaurantes, e isso precisa acabar” (sic). O escandaloso trecho transcrito acima, parte do áudio que essa reportagem traz com exclusividade, prova que o Parque Nacional da Serra da Capivara, entre os municípios de São Raimundo Nonato, Brejo do Piauí, João Costa e Coronel José Dias, se transformou, nos últimos anos, numa verdadeira Disneylândia para os caçadores do Piauí, Bahia e Pernambuco.

A gravação que estamos divulgando pela primeira vez, é um trecho de uma conversa entre o vigilante João Leite de Araújo Filho, funcionário terceirizado da empresa FP Global, que presta serviços na reserva federal, e o analista ambiental e fiscal do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Marco Antônio de Freitas, biólogo especialista em répteis da Caatinga e uma espécie de coordenador das operações de repressão à caça de animais silvestres nas unidades de conservação do Bioma Caatinga.

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Freitas foi o responsável pela última operação do ICMBio no interior do Parque Nacional da Serra da Capivara e zona de entorno, em abril de 2019, quase um ano atrás, com 21 caçadores presos, 29 armas apreendidas e 13 autos de infração. Agora, com a divulgação desse áudio, se descobre que de lá para cá o órgão ambiental foi “impedido” de realizar outras operações por falta de apoio tanto da chefe do parque, Marian Helen Rodrigues, como da coordenadora da CR5 (espécie de escritório regional do órgão), Ana Célia de Aragão, como vai ficar comprovado abaixo.

Marian Helen Rodrigues (Foto: reprodução / Instagram)

Uma decisão “politica” delas evitou que novas operações fossem realizadas, quase um acordo tácito para evitar “problemas” e se manter nos cargos. Mesmo que o preço para isso fosse a dizimação da fauna da reserva considerada uma das mais importantes da Caatinga e preservada à duras penas e de forma hercúlea nas últimas três décadas. O relato do pesquisador e fiscal do ICMBio é chocante, um tapa na cara das nossas autoridades. O Ministério Público Federal (MPF), deveria investigar.

Estamos falando do depoimento de um funcionário público federal concursado, teoricamente imune as pressões politicas. Marcos Freitas tem know-how para falar sobre esse ambiente natural exclusivamente brasileiro. Durante mais de uma década ele se dedicou as pesquisas no Bioma, e hoje como analista ambiental do ICMBio, tem toda a capacidade e discernimento para tratar do problema de forma realista. A gravação que estamos divulgando é de extrema importância para o conhecimento da sociedade, mas sobretudo é um documento histórico que pode ensejar mudanças na gerência de um parque nacional que é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, uma das reservas federais mais importantes do país e um museu à céu aberto com milhares de pinturas rupestres como poucos pelo mundo. Desde julho de 2019 que o parque vem sangrando lentamente com a morte dos seus animais selvagens, em especial tatus, tamanduás, veados, porcos, cutias e dezenas de aves, alguns ameaçados de extinção como o tatu-bola.

Histórico de conflitos 

Tudo começou com o presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Justiça, Sergio Moro, sendo xingados e ameaçados em pleno palco no interior do Parque Nacional da Serra da Capivara. A chefe da reserva federal, nomeada politicamente ainda no governo Temer, Marian Helen Rodrigues, não só permitiu o evento como não exerceu nenhum controle do acesso noturno do público à Unidade de Conservação.

Pior, além do excesso de público e abusos no volume do som, os organizadores não sofreram nenhuma medida administrativa por parte da representante local do ICMBio, e até já anunciaram um novo evento para esse ano.

Alguns meses depois desse caso, a chefe do parque nacional se viu envolvida num escândalo de distribuição de madeira apreendida pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), e doada para a prefeitura do município de São Raimundo Nonato. Um oficio da ONG da qual Marian é uma das sócias fundadoras apareceu no meio da investigação comprovando um suposto conflito de interesses por parte de Rodrigues.

Animais caçados no Parque Nacional (Foto: divulgação)

Mesmo fragilizada pela enorme repercussão do que foi denominado pela mídia piauiense como o “Escândalo da Madeira”, em dezembro passado ela iniciou uma desavença com os condutores de visitantes que chegaram a fazer um abaixo assinado direcionado ao presidente ICMBio, em Brasília, denunciando a chefia da Unidade. Ainda em dezembro, de férias, Rodrigues foi fotografada numa reunião na UFPI representando a mesma ONG que ela ajudou a criar. Outra vez ficou claro o conflito de interesses.

Brasília, por sua vez, novamente fez de conta que nada estava acontecendo na reserva do Piauí. A Coordenadora Regional do órgão na região, chamada de CR5, Ana Célia de Aragão, também ocupando um cargo de indicação politica, passou a tentar “proteger” todas as acusações em que Marian se via envolvida, mesmo que fosse contra os interesses do ICMBio, caso do evento em que o presidente da República foi hostilizado.

Indicações politicas

A única explicação plausível para esse fato, é que tanto Ana Célia como a chefe do parque, Marian Rodrigues, foram indicadas pelo mesmo deputado para ocupar o cargo no órgão federal e estão ali, aparentemente, para fazer os desejos do parlamentar, e não da conservação ambiental. Vários casos demonstram isso claramente e acende a luz vermelha na direção do ICMBio, em Brasília.

Através de políticos aliados ao atual governo federal, tanto o senador Flávio Bolsonaro como o seu irmão deputado federal, Eduardo Bolsonaro, ambos filhos do presidente, foram informados do cabaré que se tornou a gerência do Parque Nacional da Serra da Capivara nos últimos 20 meses e garantiram que medidas serão adotadas em breve.

Animais mortos em caça (Foto: divulgação)

 Mas, antes de perder o fio da meada, a chefe da Serra da Capivara, Marian Rodrigues e a sua defensora por conveniência politica, Ana Célia, não pararam de se ver envolvidas em escândalos. Logo em seguida, a chefe foi acusada de utilizar um veículo oficial do órgão, inclusive com motorista, para ajudar a “procurar” um terreno nas imediações do parque para um empreendimento privado em parceria com o Governo do Piauí, diga-se de passagem, do PT, adversário do atual governo federal.

 Alguns dias depois desse fato repercutir na imprensa, veio a escandalosa notícia de um suposto atentado contra a chefe do parque. O caso viralizou na imprensa, mas logo virou motivo de chacota e piada de carnaval ao se descobrir como tudo aconteceu. Ao invés de uma ameaça, tratava-se, no máximo, de uma tentativa de assalto, mas ainda assim sem nenhuma comprovação. A falta de evidencias fez o caso ser arquivado.

Mas, enquanto isso, o nome do Parque Nacional da Serra da Capivara era explorado negativamente pela imprensa e o turismo na região sendo prejudicado. A coisa ficou tão ridícula que até versões de violência domestica tentavam explicar a “loucura” das ações de Marian Rodrigues.

Não se passou, sequer, uma semana e a pesquisadora Niéde Guidon (87), que sugeriu a criação do parque na década de 1970, pediu para uma advogada ligar para os veículos de comunicação afirmando que não teria feito nenhum pronunciamento em defesa de Marian Rodrigues. Foi outro escândalo. E, em todos eles, o nome do Parque Nacional da Serra da Capivara estava envolvido com claros reflexos no turismo na região, prejudicando dezenas de condutores que vivem dos trabalhos na reserva.

Espiral de problemas

Ato contínuo se descobriu que os salários dos funcionários terceirizados que trabalham no Parque Nacional da Serra da Capivara estavam com três meses de atrasos, inclusive o decimo terceiro. Escândalo que se repete. Guariteiras e vigilantes estavam passando dificuldades sem receber os salários. A coisa estava ficando insustentável, mas nem Ana Célia nem Marian, sequer, se manifestavam. Caladas estavam e caladas ficaram. Foi graças a uma série de reportagens que o ICMBio se viu pressionado e pagou duas parcelas atrasadas aos trabalhadores, dando um alivio temporário.

A repercussão nem tinha esfriado e veio o maior, mais sério e preocupante escândalo, motivo dessa reportagem. Em pouco tempo de omissão de Ana Célia e Marian Rodrigues, o Parque Nacional Serra da Capivara tinha se transformado numa Disneylândia para os caçadores. Sem fiscalização, sem operações e sobretudo sem vontade politica, 40 anos de conservação estão sendo perdidos.

Talvez seja esse o momento de se refletir se órgãos tão importantes para a sociedade brasileira e que lidam como a defesa do Meio Ambiente, como o IBAMA e o ICMBio, devam se submeter aos interesses políticos particulares. Ana Célia Aragão e Marian Helen Rodrigues não são funcionárias públicas concursadas, não são analistas ambientais, não são pessoas capacitadas especificamente para a gestão dos recursos naturais, talvez, até, não por falta de vontade, mas de formação específica mesmo.

E o custo que pagamos é muito alto, pois esses indicados políticos terminam não defendendo, em primeiro lugar, o interesse público, mas, claro, os interesses privados do grupo politico responsável por sua indicação, nesse caso, o suplente de deputado federal José Francisco Paes Landim (sem partido), que, sequer, fez campanha para o atual presidente, mas mesmo assim mantem a indicação politica dessas duas correligionárias. Vamos ver até quando ele vai sustentar essa insensatez. (André Pessoa).

TRANSCRIÇÃO NA ÍNTEGRA DO ÁUDIO:

Marco Antônio de Freitas, analista ambiental do ICMBio, envia áudio para João Leite, vigilante da Serra da Capivara:

“Então cara, que que tá acontecendo ai é o seguinte, né! Depois da operação que teve no ano passado, que de fato em 8 dias 21 caçadores foram presos, foram 29 armas, foi aquela quantidade absurda de prisões, processos, eu lembro que auto de infração foram lavrados 13 autos de infração se eu não me engano, né, mais do que um por dia né, porque foram 8 dias de efetiva ação. O que está acontecendo é que a chefe do… a atual chefe do parque nacional, ela é cargo DAS, ela morre de medo de ter confusão, né cara, e você sabe que… a ação que se coordena bem feita pelo ICMBio ela é uma ação que causa impacto, como causou, né? A gente sabe que existe o tráfico de carne aí pesado, a gente sabe que o Piauí fornece carne, principalmente pra Bahia né? …pra restaurantes, e isso precisa acabar. E na verdade a proposta era fazer operação nos dois parques, né? Por que o Parque Nacional da Serra das Confusões está completamente abandonado, há muito tempo. A gente sabe que infelizmente existe um tráfico de informação pesado envolvendo agente público, principalmente da Polícia Militar, né, e outros agentes públicos que a gente não pode entrar em detalhes, mas a gente sabe que isso existe, né, existe essa coisa muito forte, né… o que eu acho é que a chefe ficou de certa forma, vai fazer um ano que não tem operação, como é que uma Unidade de Conservação do porte da Serra da Capivara, com a quantidade de animais que tem, endêmicos inclusive, ameaçados de extinção, com essa quantidade de animais que tem ai, com esse volume de tráfico de carne, como é que não se tem, no mínimo, três operações naqueles moldes que foi no ano passado. Então assim, colocar o Batalhão de Polícia Militar daí… local, você sabe que não resolve. Os caras têm amizades né, aquela coisa toda, e não trabalha da forma como se deve trabalhar que é dentro do mato mesmo para pegar os caras. Então assim… a sugestão é que ela tem que fazer o trabalho que tem que ser feito no parque nacional, eu acho que ela está com medo de perder o cargo dela de chefe e ela tem que fazer operação de fiscalização com o ICMBio, coordenada pelos moldes do ICMBio ou em conjunto com o Ibama. O que não pode é ficar essa covardia, esse genocídio com a fauna né, a gente sabe da realidade, quem foi aí sabe da realidade. E não é mais uma operação de 8 dias, é uma operação de, no mínimo 20 dias para atacar os dois parques. E com certeza se tiver uma operação aí, vai ser aquele absurdo né, 8 a 10 dias 20 a 30 prisões em flagrante, né? É uma vergonha. É isso meu caro, espero que isso mude!

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