Unesco receberá denúncia contra abertura da Serra da Capivara sem guia pelo ICMBio

Documento será levado à UNESCO com apoio de importantes especialistas em conservação ambiental

PortalAZ / André Pessoa

Quatro décadas atrás o mundo praticamente desconhecia a Serra da Capivara. O Piauí, então, nem se fala. Dois lugares: o monumento geológico da Pedra Furada, mas sobretudo o sitio arqueológico da Toca do Boqueirão da Pedra Furada, mudaram essa história e a pré-história das Américas!

Hoje o Piauí é reconhecido no planeta afora muito em função das descobertas cientificas da Serra da Capivara. Ou alguém duvida disso? O lugar virou Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Algo extraordinário para a região de São Raimundo Nonato, para o Piauí, o Brasil e o mundo.

Ao descobrir o local, pesquisar, estruturar e abrir para visitação pública, os pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), estabeleceram duas diretrizes básicas: não se conserva esse patrimônio sem gerar renda para as populações locais, nem se pode preservar o que não se conhece. A obrigatoriedade da presença do condutor de visitantes tem suas raízes exatamente nesse foco – trabalho e transmissão do conhecimento.

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Agora, numa decisão polêmica tomada sem a participação das diferentes associações de condutores de visitantes do Parque Nacional da Serra da Capivara, mas ratificada pelo Conselho Consultivo da reserva, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), decidiu abrir para visitação sem a obrigatoriedade da presença do guia os dois principais cartões postais do parque.

No começo da década de 1990 a engenheira agrônoma Eugênia Vitória e Silva de Medeiros trabalhava como analista ambiental no IBAMA e exercia o cargo de chefe do Parque Nacional da Serra da Capivara. De um lado os pesquisadores da FUMDHAM, na maioria especialistas em pré-história, e do outro, ela como representante do governo brasileiro através do órgão oficial responsável pelo meio ambiente na época.

Eugênia sempre defendeu a presença dos condutores de visitantes para a estruturação do turismo e abertura da Serra da Capivara para o público. “Minha preocupação é com o patrimônio arqueológico e natural do parque, nossa experiência remete a pichações que ocorreram mesmo com guias”, relembra ela acrescentando e questionando: “os danos ao patrimônio são sempre irreversíveis. E aí?”.

A sugestão de levar o caso para o conhecimento das autoridades partiu dela. “Acho que devia ser feita uma denuncia para a UNESCO”, ratificou Eugênia Medeiros no Grupo Pense Piauí Parques. “Eu sou a favor da visita guiada, já tivemos casos de pichações até mesmo por pessoas qualificadas que molham as pinturas para ficarem mais nítidas nas fotos sem se importarem com a proliferação de fungos e bactérias”, ratifica Medeiros.

Quem também apoia a iniciativa de levar o caso ao conhecimento da UNESCO é o ex-superintendente do IBAMA no Piauí, Deocleciano Guedes, pesquisador da Universidade Federal do Piauí (UFPI). “É um absurdo expor o patrimônio do parque ao vandalismo. Se com toda vigilância ainda tem visitantes que levam o que não deve alegando que é só uma pedrinha, outros fazem pichações e ainda uns que ficam tocando nas pinturas rupestres, tudo isso causa danos irrecuperável ao patrimônio do parque que hoje é Patrimônio da Humanidade. Imagina sem a presença dos guias”.

Deocleciano Guedes foi o responsável pela criação dos dois maiores parques nacionais do Piauí na sua gestão à frente do IBAMA: Parque Nacional da Serra das Confusões com mais de 800 mil hectares, e o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba com mais de 700 mil hectares, dois gigantes da natureza. “Concordo integralmente com a Eugênia e sou a favor da denúncia à UNESCO”, garantiu o professor.

No entanto, quem já vem se mobilizando contra a decisão da chefia do parque desde dezembro passado é a Associação dos Condutores de Visitantes do Parque Nacional da Serra da Capivara, sob a coordenação de Alexandre Negreiros.
Em abaixo assinado datado de 17-12-2019, endereçado ao Presidente do ICMBio em Brasília, os condutores demonstram “insatisfação contra uma atitude promovida pela chefia do Parque Nacional da Serra da Capivara, representada pelo ICMBio, a senhora Marrian Rodrigues”, sic. Segundo Negreiros o documento ainda está em fase de coleta de assinaturas.

Mas no último sábado a crise chegou ao limite com um dos condutores gravando um áudio e o tornando público com acusações contra Marian Rodrigues. Em determinado trecho ele diz: “Acho muito interessante, a chefia do parque disse que o prevfogo era só para conduzir as pessoas da zona de entorno do parque que não tinham condições de pagar. Aqui está cheio de carros de luxo parado, só com gente de fora que não quer pagar. Quer isso, rapaz! Não tira o pão da boca dos guias não.”, desabafou ele.

Outros personagens decidiram falar. Questionado sobre a decisão do ICMBio de abrir os sítios sem a presença dos guias, Alan Jardel, com mais de uma década de trabalho no parque disse: “Para os guias e a região eu acho negativo. Tem guias que dependem disso para sobreviver e o turismo na região já é fraco”. Em relação aos risco que o patrimônio do parque pode sofrer ele disse: “A cultura do brasileiro ainda não está adaptada a esse tipo de visita aos parques. Eu acho que a presença do guia é importante pois ele é o guardião do parque, ele precisa proteger a reserva. Então eu acho que existe sim um risco muito grande”.

Diante disso os condutores decidiram recolher assinaturas em um outro documento que será entregue diretamente no escritório da UNESCO em Brasília, alertando o órgão dos perigos iminentes com a abertura do parque. “Não estamos batendo de frente com ninguém, nem contra o ICMBio, nem contra a FUMDHAM, nada disso, só queremos alertar as autoridades responsáveis pela integridade desse patrimônio que não é somente dos piauienses, mas sim da humanidade”, disse o presidente da Associação dos condutores de Visitantes da Serra da Capivara, Alexandre Negreiros.

Procurado para falar sobre o assunto, o ICMBio se manifestou através de Ana Célia, coordenadora da CR5 do órgão com sede em Parnaíba e atuação no Ceará, Piauí, Maranhão e Tocantins. “As pessoas não estão entrando desacompanhadas! Elas entram com condutor ou guia das associações e apenas dois sítios (Boqueirão da Pedra Furada e monumento da Pedra Furada), podem entrar sem esses, caso que são acompanhados pelos brigadistas de uso público que são servidores temporários do ICMBio. Nesse caso são visitas de 20 minutos”, afirmou.

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