Sobre Napoleão Ribeiro, o maior vale da cultura popular do Sul do Piauí.
Por JUSCIVALDO DIAS: Poeta e escritor cordelista e Artesão de Dirceu Arcoverde.
Quem foi Napoleão Ribeiro?
O poeta da família Ribeiro, um gênio que por aqui passou,
Napoleão Ribeiro Soares, era filho de Mariano Ribeiro Soares e Dona Rosa Soares, neto de Francisco Ribeiro Soares, conhecido popularmente como, “Chiquinho das Queimadas”, nasceu em 1886 na localidade Gameleira, bem próximo das Queimadas do Sr. do Bonfim, município de Dirceu Arcoverde o Antigo Bom Jardim, uma região que divide o Piauí com a Bahia, mas não divide a opinião daquele povo no que diz respeito a sua cultura.
Mariano Ribeiro Soares, era um dos filhos de Chiquinho das Queimadas. Conhecido como Mariano da Gameleira por que sempre viveu na Gameleira, bem próximo das Queimadas. Foi fazendeiro de bom recurso, era vaidoso, trajava-se muito bem e chegou a estudar o preparatório em Salvador-BA. Casou-se com dona Rosa e teve o privilégio de ser o pai do poeta Napoleão Ribeiro e Roldão Ribeiro, dotado de grande capacidade intelectual para memorizar. Foram também seus filhos, Maria do Reis, Amélia, Celina, Hermano, Dedeco, e Lião Ribeiro Soares.
Napoleão casou-se com Dona Cecilia e tiveram três filhos: Pedro, Corano e Júlia. O Corano teve uma filha, neta de Napoleão, que se chamava Pulquéria, a dona Júlia teve quatro filhos, e dois deles nasceram praticamente sem a visão, devido ao um problema hereditário existente na família que os impede de enxergar bem.
Seu Isaías que hoje está com 74 anos e seu Nicolau com 64 anos, as outras duas, Luzia Ribeiro Barbosa aos 81 anos, e Dona Herminia Ribeiro Barbosa aos 68 anos.
Seu Isaías, Nicolau e Dona Luzia, moram em Remanso-BA. A dona Herminia Ribeiro, é a esposa do seu Marcelino, e mora na comunidade Moisés bem próximo do povoado São Vítor. Ambos são netos.
Portanto do poeta Napoleão Ribeiro e levam uma vida simples conservando seus costumes tipicamente do Sertão Nordestino.
A descendência do Chiquinho das Queimadas já era muito grande no começo daquele século, um exemplo, a Pulquéria, neta do poeta Napoleão, bisneta do Mariano, e tataraneta do Chiquinho.
O pai do poeta Napoleão, o Sr. Mariano Ribeiro, era filho do Sr. Francisco Ribeiro Soares, o “Chiquinho das Queimadas”, e a mãe do então poeta, Dona Rosa Soares, era tia da vó do doutor Dourival Ribeiro e Nereu Ribeiro, motivo pelo qual, a poesia brota na corrente sanguínea destes dois cabras, ambos, irmão, e advogados atuante em São Raimundo Nonato.
São raízes portanto, muito próximas do poeta Napoleão Ribeiro, seu Mariano era também primo da Vó de Dourival e Nereu, isso prova que o pai e a mãe do poeta Napoleão, eram primos legítimos.
São cérebros privilegiados que nasceram para grandes vôos. Napoleão foi um deles, gênio sem oportunidades. Um iluminado, é raro se ver no sertão inteligência incultas, inaproveitadas.
A irmã, mais velha de Napoleão se chamava Celina, era uma grande poetisa. Teve um profundo desgosto com o noivo e viveu o resto de sua vida enclausurada na casa dos pais, na localidade, “Vila Genipapo”, que hoje é a cidade de São Raimundo Nonato. Uma triste característica, e dura realidade da nossa juventude nos dias de hoje, é a indiferença que a sociedade impõe por seus valores culturais.
Napoleão, desde bem jovem, se distinguiu no seio dessa região pelo seu intelecto voltado inteiramente para a vida literária. Um poeta que brotou dos alcantilados da Serra Branca, grudado ao seu chão provinciano. Gênio perdido nos ermos do Sertão Nordestino, inculto e aninhado ao pé das descendentes terras ricas do látex e da maniçoba.
A poesia de Napoleão tem o mesmo estilo hiperbólico, próprio de Castro Alves e Tobias Barreto que criaram a escola do condoreirismo na poesia daquela época, como se tivesse passado pelo Paranasianismo de Olavo Bilac e Raimundo Correia.
Alguns dos seus parentes e amigos ainda guardam com carinho, algumas poesias deste grande vate.
Cito aqui um deles: Doutor Dourival Ribeiro, vejam essa preciosidade.
SONHO DE UM POETA
Arcanjo! Arcanjo! Que país te adora?
Acaso a aurora te consagra o culto?
Se és o anjo das eternas plagas,
Por que divagas neste solo inculto?…
Eu sou a musa do país das Fadas,
Que às alvoradas subtrai-se à luz
Amo as cortinas de Morfeu silente
E o som Plangente que o Amor traduz.
Na longa esfera da Mansão que habito
Não soa o grito da paixão lasciva,
Eu sou a deusa sonial do vate
Que não se abate pela sorte esquiva.
Amo da lira a vibração sonora
Que Orfeu outrora suspirava ardente,
Do Deus noturno sou visão Festiva,
Gênio de altiva inspiração latente.
Oh! Ninfa insonte de Feliz Castália,
Gentil Rosália que o poeta inspira,
Eu sinto a mesma vibração dolente,
Que Orfeu lugente suspirou na lira.
Vem despertar-me no letargo intenso,
Com teu incenso mitirgar-me a dor,
Deixa que a vida me transponha o fado,
Quero a teu lado consagrar-te Amor…
Titônia, Rompe da cortina o véu,
Ornando o céu de Radial matiz…
Triunfa o vate de cruéis Abrolhos,
Abrindo os olhos, Delirante diz:
Meu Deus! É sonho de voraz segredo!
Já o passaredo a matinada entoa
E o sol dourando do pampeiro a coma,
Do pólo assoma com Real coroa.
É impressionante a semelhança de estilo
Com as poesias de Castro Alves. Predomina nos seus versos o estilo heroico, o mesmo do grande poeta baiano, com a mesma riqueza lírica, se não, comparemos com HEBRÉIA: os iniciados no espiritismo de Alan Kardec e Chico Xavier, hão de pensar dizendo, e com razão, que Napoleão Ribeiro psicografou poesias ditadas pelo espírito de Castro Alves. Isso pra quem acredita no mundo Espiritual. O vate baiano nasceu em 1847 e faleceu em 1871, portanto, aos 24 anos de idade.
Napoleão nasceu 14 anos depois da morte daquele poeta, ambos não foram coetâneos.
As poesias de Napoleão são espontâneas. Reza a lenda que na maioria das vezes ele versejava de improviso e Roldão que era seu irmão inseparável, considerado um memorialista decorava e escrevia a poesia recitada.
São poesias de eloquência natural que expressam, em sopro genial, a sua alma errante. Brotam do seu espírito como de uma fonte inesgotável.
Exalta o gênio contido no meio adverso em que ele viveu.
A “Serra Branca” é uma poesia primorosa, emblemática, uma exaltação do poeta a sua terra. vejam,
MOTE
Rochedo, Gruta e Caverna
Linfa mimosa e franca
E tudo quanto é beleza
Existe na Serra Branca.
GLOSA:
Para mostrar os encantos
Que nossa vista fascina
Se vê por todos os cantos
Rochedo e vasta colina,
Parece que a Natureza
Esmerou toda a beleza
Formando esta obra eterna
Além da bela paisagem
Existe nesta paragem
ROCHEDO, GRUTA E CAVERNA.
Do cimo verde da Serra
Se avista a doce miragem
E a brisa cá sobre a terra,
Balança a densa folhagem,
Enquanto o tigre na mata
Por entre rocha e cascata
Oculta a enorme carranca,
Embora viva na frágua,
Mas bebe no olho d’água
LINFA MIMOSA E FRANCA.
Parece mesmo um degredo
Que o coração martiriza,
No fundo do arvoredo
Só ouço o canto da brisa
Se tudo produz saudade
Aqui nesta solidade
A vida se torna presa
Não é por falta de lume
Aragem fresca e perfume
E TUDO QUANTO É BELEZA.
Viceja planta pendente
Na transparência dos Ares,
Rasgando o véu do ambiente
Na languidez dos luares
Surgindo a idéia suprema,
Dum belo e rico poema
Destas montanhas se arranca,
Dentre os primores que tem
E até poeta também
EXISTE NA SERRA BRANCA
= FIM =
Dedicou também belíssimas poesias à sua esposa Cecília, riqueza literárias que se perderam no tempo.
Napoleão não chegou a conhecer o maior poeta piauiense, Da Costa e Silva, embora fossem contemporâneos e da mesma idade, Napoleão nascido em 1886 e Da Costa em 1885, diferença de um ano de um para o outro.
Viveram e versejaram em esferas diferentes. Napoleão enrodilhado no seu meio provinciano, manietado pela pobreza material, sem oportunidades para alargar seus horizontes.
Já o poeta Da Costa e Silva, filho da cidade de Amarante-Piauí e bem nascido, estudou direito em Recife, morou em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e São Luiz do Maranhão, meios culturais onde pôde dar asas ao seu bardo lírico.
Da Costa foi parnasiano da escola do poeta português Antero de Quental e de Olavo Bilac, seu coetâneo.
Foi também um simbolista com muito apego a terra natal, era chamado o “Poeta da Saudade”.
Tinha um vocabulário vastíssimo. Napoleão era rico também na sinominia da língua, era simbolista, acompanhado, sem saber os passos daquele grande vate.
O Soneto “Saudade” que imortalizou o poeta Da Costa e Silva, a maior expressão da palavra saudade da língua portuguesa, foi ditado de improviso, numa plateia de milhares de correligionários ou seja, numa república de estudante em Recife.
Igualmente “Serra Branca” de Napoleão Ribeiro foi ditada de improviso nos alcantais daquela serra e anotado por seu Irmão, Roldão, o memorialista.
Os poemas dos dois poetas sobrevivem e hão de atravessar séculos a fora. Quantas poesias espersas, TIRANA INGRATA, ABC DOS PEIXES, ABC DO AMOR e outras que poderiam pertencer ao acervo cultural do Piauí, ou do Brasil como um todo.
Napoleão não chegou viver 45 anos de idade, a causa da sua morte não se sabe até hoje, mas há duas hipóteses, e uma delas pode ser a mais provável. Vítima de uma doença crônica pulmonar; mas há relatos de pessoas idosas ligada a família, que Napoleão partiu o pé acidentalmente com um Machado, deu o tétano e veio a óbito, essa é a mais provável.
O local do seu sepultamento ninguém sabe onde, a verdade é que, Napoleão nasceu na Gameleira bem próximo das Queimadas do Senhor do Bonfim, morreu por lá e deve ter sido enterrado por lá mesmo como indigente.
A Deus, A Deus Gameleira,
Recanto onde eu nasci,
Vou embora pra bem distante,
Saudades levo de Ti…
Foram as últimas palavra ditas pelo o poeta.
O memorialista Roldaão, que costumava recitar uma missa de cor, em Latim, não chegou se casar. Morreu cedo de indisgestão por excesso de comida na seca de 1932.
Roldão, Além de Irmão, era amigo inseparável de Napoleão Ribeiro, viviam juntos e não possuíam bens materiais.
Vejam esta outra preciosidade;
O MENDINGO
A pobreza grande é uma fatal doença
Essa sentença também coube a mim
A miséria tem rigor tão forte,
Que nem a morte é tão cruel assim!
Eu vivo triste porque sou mendigo
Sofro o castigo como sofreu Jó,
Tantas riqueza que este sol cobre
E eu tão pobre que faz pena e dó.
Padeço tanto, mortifico os braços,
Sinto o cansaço de um trabalho infindo,
Cai da sorte num fatal declívio
Só sinto alívio quando estou dormindo.
Eu tenho pena de quem vive pobre
Pois quem é nobre o mundo todo é seu,
Dá mesmo pena, compaixão e dó
É um pobre Jó assim como eu.
Há um profundo sentimento provinciano nestes versos candentes e cheio de lirismo que por certo o poeta sonhou e viveu. As estrofes retratam as formas magistrais do meio físico que o cercavam. Dá pra gente imaginar e observar-se no transbordamento da sua alma um profundo desgosto e pesar pela pobreza material em que ele viveu, o impedindo de vôos bem mais altos que poderia ter alcançado.
Que pena…!
Seria injusto falar na figura de Napoleão Ribeiro sem falar na Igreja Senhor do Bonfim, que foi construída por seu avô, o Sr. “Chiquinho das Queimadas” que com muito esforço construiu a capela das Queimadas no começo do século XIX, as paredes daquele campanário chegam a medir 71 cm, de largura e sua filha “Mariínha”, muito religiosa cuidou por toda sua vida de conservar e zelar por aquele companário onde os padres presidiam as celebrações de costas viradas para o povo, costumes da época. Cujo o padroeiro é o Senhor do Bonfim, festa comemorada em 06 de agosto de cada ano.
No altar permaneceu por muitos anos a imagem do padroeiro que veio de Portugal, confeccionada artesanalmente toda em marfim, enfeitada de ouro e outras joias preciosas de alto valor no mercado das artes sacras, motivo pelo qual, ter sido roubada há mais de 23 anos e ninguém sabe o paradeiro, junto com a imagem foi levada também, uma pedra preciosa denominada “Rubi” que acompanhava sempre a referida imagem.
O primeiro padre celebrante na capela das Queimadas chamava-se, Padre Marcos. Foi ele que orientou os pedreiros na construção do altar.
Era um religioso muito amigo do Chiquinho e anualmente, com desobriga que fazia pelo Sertão Nordestino a lombo de animal, presidia os festejos do padroeiro, Sr. do Bomfim.
O ponto de apoio, era a casa do Chiquinho das Queimadas, seu amigo de fé. A igreja continua sendo preservada até os dias de hoje, não como deveria ser; construída em 06/08/1848 completa este ano 169 anos de existência, foi feita uma reforma em 21/06/1982 de modo que tentando preservar as suas características antigas.
A preservação, zelo e conservação daquele campanário vem passando de geração a geração, começou pela dona Mariínha, filha do Chiquinho das Queimadas. De lá para cá, foram muitos, até chegar a vez da Tia Cota, professora mais antiga da região, nascida em 18 de junho de 1898 e falecida em 1976 exatamente aos 78 anos de idade.
Tia Cota como era conhecida, não queria se casar, casou-se para fazer o gosto dos paes, era o tempo do “carrancismo”, não teve filhos e dedicou a vida inteira a Igreja e a área da Educação.
Hoje, quem zela cuidadosamente por aquele campanário, é uma das suas ex. alunas, Dona Sebastiana da Costa Souza.
Aos 65 anos de idade, e a mais de 12 anos vem cuidando e zelando por aquele campanário Senhor do Bomfim.
Atualmente é o santuário dos mais antigos que se tem notadamente no sul do Piauí. Pertence portanto, a Diocese de São Raimundo Nonato.
Sudeste Piauiense
AGRADECIMENTOS
Aos netos de Napoleão,
Seu Nicolau e seu Isaías,
A Dona Luziínha e Dona Herminia Ribeiro,
Todos os bisnetos de Napoleão, inclusive a Dona Gorete da Silva Barbosa em Remanso-BA.
Seu Aldeni da Silva Ribeiro, na localidade Moisés próximo ao São Vitor, este por sinal médio espírita.
Aos tataranetos de Napoleão Ribeiro,
Isamara da Silva Barbosa,
Josilene Silva, Júlio César Silva,
Arnê Silva, Gesilaine e Arthur.
A Dona Nini, filha do saudoso Jesus
Amancio Ribeiro em Dirceu Arcoverde o antigo Bom Jardim.
A ao Dr. Dourival Ribeiro Soares, advogado atuante em São Raimundo Nonato.
A Dona Sebastiana da Costa Souza, zeladora da Igreja Senhor do Bonfim.
E a todos que fazem a FUNCOR, Fundação Nordestina do Cordel, pela publicação na Revista De Repente;
Luiz Carlos o “Luizão das Estrofes de Ouro”.