O Parque Nacional Serra da Capivara, um sitio arqueológico que agrupa os mais antigos vestígios de ocupação humana da América do Sul, segue aberto, mas sem manutenção, monitoramento e pesquisa científica. Isso porque a Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), que geria o local, encerrou suas atividades por falta de verbas. Segundo a direção do parque, quatro guaritas estão abertas e as visitas ocorrem normalmente nesta quarta-feira (17), sem cobrança de entrada, e não deverá fechar as portas.
O parque, que fica em Raimundo Nonato (PI), é considerado patrimônio da humanidade pela Unesco por reunir 172 sítios arqueológicos, entre eles pinturas rupestres e o crânio de Zuzu, o mais antigo do Brasil, com 12 mil anos. É também no parque que estão restos de carvão de duas fogueiras, datados com 22 mil anos e 50 mil anos, que apontam vestígios mais antigos de habitantes das Américas. As descobertas questionam a tese de que o homem chegou às Américas há 12 mil anos pelo norte, vindo da Ásia, cruzando o estreito de Bering rumo ao Alasca.
A analista ambiental Melina Andrade, que trabalha na administração do parque, informou que 35 vigilantes foram contratados pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para ficar nas guaritas enquanto não se define o repasse de verbas que garantam o retorno da Fumdham e a assinatura do contrato da instituição como co-responsável pelo parque. Apesar da Fumdham atuar desde a década de 70 no parque não existe contrato de liberação do trabalho.
Imbróglio sobre verbas ameaça local
“O impacto inicial com o fechamento da Fumdham é a interrupção da venda de ingressos porque não temos funcionários habilitados. Os vigilantes fazem só o controle de entrada e saída dos turistas no parque. Os turistas precisam entrar acompanhamento de guia, como já era determinado antes. Mas, a longo prazo poderemos ter grandes perdas, pois há necessidade da definição de equipes para garantir a proteção em parte do parque porque não temos mais rondas de combate à caça e segurança dos sítios arqueológicos”, informou Andrade.
O encerramento das atividades da Fundham paralisará as pesquisas dos achados do parque e o funcionamento do Museu do Homem Americano. Além disso, a retirada dos 30 últimos funcionários do parque comprometerá o abastecimento de água e alimentos para animais, manutenção das estradas e dos sítios arqueológicos, que já foram alvo de vândalos com tiros de arma de fogo que atingiram pinturas rupestres.
“Retiramos os funcionários pela falta de recursos que não estão sendo repassados pelo ICMBio. O instituto teve que colocar os guardas-parques no lugar das mulheres que trabalhavam nas guaritas e a parte de proteção do trabalho, de vigilância ficou sem ninguém o que, sem dúvida, é prejudicial ao parque. Não ter no parque pessoal de manutenção e que circulam retirando árvores caídas, limpando os sítios agrava a situação e tornar o parque mal cuidado, mal conservado “, disse coordenadora de Projetos da Fumdham, Rosa Trakalo.
Há alguns anos, a Fumdham relatava crise financeira por sofrer para honrar pagamentos de despesas fixas devido à falta de verbas que cobrissem os custos com funcionários, manutenção e controle do parque. No ano passado, Niède Guidon, que criou a fundação, anunciou a redução de 270 funcionários para 30 pessoas.
Pedido de ajuda
Rosa Trakalo foi a Teresina hoje e se reuniu com a vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho (PP), para discutir uma forma do governo Estado ajudar a minimizar a crise financeira da fundação e o retorno dos trabalhos ao parque. A vice-governadora destacou que recebeu com impacto a notícia do encerramento da Fumdham diante das conversações e providências que vinham sendo tomadas. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, prometeu enviar verbas de emergência.
“Nós temos também uma responsabilidade, apesar do parque ser nacional e o ICMBio responsável, pois o parque está nas terras do Piauí. É patrimônio nosso e não abrimos mão disso. Estamos buscando realinhar as conversas. Tenho uma reunião com o governador Wellington Dias, vamos sentar e ver o que o estado pode interferir. Em seguida, iremos até o ministro Sarney Filho que demonstrou uma sensibilidade enorme com o parque. Vamos trabalhar para conseguir uma saída consensual para este momento”, destacou Coelho.
O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), responsável pela conservação dos sítios arqueológicos do parque Serra da Capivara, informou que vai prorrogar o prazo do termo de parceria com a Fumdhan para conservação dos sítios arqueológicos, com vigência até o próximo sábado (20).
Segundo a chefe de escritório técnico, Ana Estela de Negreiros Oliveira, o órgão se preocupou com o encerramento das atividades da Fumdham, que pode comprometer a conservação do patrimônio histórico do parque, e está em processo de estudo do novo contrato.
“Os últimos pagamentos de salários de funcionários que a Fumdham efetuou foram com verba nossa, do contrato que estamos terminando agora em agosto. Em 2015 foram repassados R$ 500 mil e este ano R$ 400 mil. Estamos nos articulando como será fechado esse contrato para estender-se até 31 de dezembro, mas vamos fechar o termo de parceria sim. Agora, não sabemos se será junto com o ICMBio ou se sozinhos, estamos aguardando”, disse Oliveira.
A Fumdham e Iphan recuperaram de 2015 até agora 90 sítios arqueológicos que estavam com problemas de conservação. A manutenção dos mesmos é de responsabilidade do Iphan, que terceiriza e contrata a Fumdham para o trabalho.
O ICMBio informou que existem recursos na ordem de R$ 969 mil para serem repassados para manutenção do parque que serão destinados à parceria com a Fumdham, porém o valor está bloqueado em conta na Caixa Econômica Federal por decisão do Tribunal de Contas da União. O instituto destacou ainda que o dinheiro será repassado assim que forem resolvidos impasses burocráticos.
“Logo que essa pendência venha a ser resolvida, o repasse dos recursos será feito. Enquanto isso, o ICMBio buscará garantir as condições de funcionamento da unidade de conservação”, informou.
O turístico do município de São Raimundo Nonato ficou abalado com o anúncio de fechamento do parque, pois agências de turismo e turistas ficaram receosos de perderem pacotes de viagens já pagas para visitar o Parque Nacional Serra da Capivara. Responsáveis por hotéis, taxistas e guias turísticos se reuniram pela manhã na administração do parque para cobrar posicionamento da situação e foram informados pelo ICMBio que a visitação seria mantida.
Para entrar no parque é cobrado o ingresso no valor de R$ 15,00 e o contrato obrigatório de guia para orientação dos turistas. Em média, o guia cobra R$ 120,00 por um grupo de até oito pessoas.
O guia turístico Giordano Macedo, que trabalha com visitas guiadas ao parque há 16 anos, contou que diversas agências de turismo telefonaram para saber como iriam proceder com os pacotes já vendidos aos turistas, pois diversos clientes pediram cancelamento de viagens.
“A gente fica preocupado com essas notícias erradas de que o parque fechou porque isso atrapalha nosso trabalho, que já é difícil pelas condições climáticas nesta época do ano. Mas, hoje mesmo estou com grupos desde às 9h fazendo trilhas aqui no parque. Espero que esse mal-entendido seja desfeito logo, antes que atinja de verdade o setor, e também que o impasse entre a Fumdham e o ICMBio com as verbas seja resolvido. Lutamos muito para preservação daqui do nosso parque, que é nosso trabalho e a nossa história”, destacou Macedo.