Um grupo de advogados no Piauí, que integra um coletivo que atua voluntariamente para garantir direitos, busca a soltura de uma mulher de 20 anos que está há mais de 240 dias presa após furtar duas facas e uma cesta de alimentos em uma residência na cidade de União (a 59 km de Teresina).
Para mantê-la sob custódia por meses, o Judiciário levou o fato da suspeita ser reincidente. Contudo, a defesa utilizou o fato dela ser mulher, dependente química e em situação de extrema vulnerabilidade para contra argumentar e conseguir a liberdade da investigada. O Tribunal de Justiça do Piauí negou a soltura e os advogados recorreram para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Além do furto das facas, a jovem responde a mais três processos, sendo um por furto de uma cesta básica e os demais por ameaça.
“É uma situação de extrema vulnerabilidade. Ela é uma jovem mulher periférica que, diante de tanta pobreza, oferece serviços sexuais em troca de dinheiro para alimentar o vício em crack. Os policiais chegaram ao local, ela estava com os objetos e não negou a prática do furto, inclusive, informou que entrou na casa para cobrar o valor de R$ 10 que o dono dessa casa ficou devendo pelos serviços dela. Ela entrou, não o viu e pegou esses objetos. O que a levou para esse extremo foi a pobreza”, conta a advogada Jéssica Lima que atua no caso com o advogado Vinicius Moraes, ambos do coletivo Advocacia Popular Piauiense.
Para tentar a soltura da suspeita, os advogados focaram na situação de extrema pobreza.
“A gente tinha várias opções, incluindo, a inimputabilidade diante de ser uma usuária de drogas. Mas a gente optou pelo fato dela ser pobre, jovem e por ficar presa por tanto tempo, inclusive, pela ineficiência processual”, reitera.
Ela conta que, primeiramente, o habeas corpus foi negado devido aos outros processos em que a mulher figura como réu.
“Na visão do MP, que foi acolhida pela Justiça, era necessária a prisão, por ela representar risco à ordem pública e por isso estava presa preventivamente. A liminar não foi concedida com base nesse argumento. Contudo trouxemos para a sustentação oral que os demais processos também são bagatelares que, facilmente, se aplicaria o princípio da insignificância, que seguem a mesma narrativa de sustentar o vício”, explica a advogada.
Entre as fragilidades processuais apontadas pela defesa está o fato da suspeita ter ficado mais de 100 dias sem assistência jurídica pela Defensoria Pública do Piauí. A advogada também alega que não foi realizada perícia.
“O MP imputou a ela o crime de furto qualificado, alegando que houve o rompimento de um obstáculo para entrar na casa, porém nos autos não consta que foi realizada perícia. O Código de Processo Penal é muito claro ao dizer que é necessário ter a perícia para a capitulação da qualificadora, não basta tão somente o que a polícia diz”, argumenta a advogada
A jovem foi presa em outubro de 2022. Em fevereiro, o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça. Contudo, ela só passou a ser assistida por um defensor público em maio deste ano.
“Ela ficou 117 dias presa sem ser assistida pelo estado. A Defensoria Pública veio se juntar ao processo e pedir conversão para prisão domiciliar em 04 de maio. Até agora, esse pedido de revogação não teve manifestação nos autos originais. Dos 216 dias que ela ficou presa, ela ficou 117 dias sem o estado”, conta Lima.
Jéssica Lima diz que, paralelo à assistência jurídica, a Advocacia Popular Piauiense acompanha a mulher no contexto social e humano.
“Já conseguimos uma vaga para tratamento da dependência química. Depois vamos ver como inserí-la no mercado de trabalho. O que a gente puder fazer para recuperar para a vida, nós vamos fazer. No Piauí existem jovens periféricas presas que, além de terem violado suas garantias fundamentais dentro do processo, já entram no processo porque viviam essa violação diariamente. Isso tudo é um contexto que precisa ser acolhido”, finaliza a advogada.
A Advocacia Popular Piauiense é um grupo de militantes dos Direitos Humanos que trabalham voluntariamente para garantir o direito de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Graciane Araújo