Ela é uma das figuras mais conhecidas e carismáticas da cidade de São Raimundo Nonato, no sertão do Piauí. O sorriso largo e constante no rosto é a principal marca de Maria Sebastiana Torres da Silva, 55 anos, considerada um ícone da cultura popular da região. A mulher de corpo franzino aprendeu tocar sanfona aos 7 anos de idade em uma comunidade rural de um município vizinho onde foi criada com muitas dificuldades.
Sem ninguém ensiná-la, ela pegou uma sanfona velha e empoeirada deixada pelos irmãos em um quarto bagunçado e resolveu mexer no instrumento. No início, Sebastiana sequer conseguia levantar o aparelho e precisava da ajuda do pai. Quando ouvia as músicas tocadas no radinho de pilha da família ela tentava fazer igual e pouco a pouco foi conseguindo tocar o acordeon.
Mas quem vê o sorriso fácil e a alegria da sanfoneira Sebastiana não imagina as tantas dificuldades que ela já enfrentou e ainda hoje enfrenta. A paixão pelo instrumento musical cresceu junto com o trabalho pesado que ela teve que enfrentar desde menina. Ainda criança, a piauiense tinha que trabalhar na roça para ajudar no sustento da família. Devido a isso, ela não frequentou escola e não sabe ler e nem escrever.
“Se colocar uma plaquinha nessa porta dizendo ‘se você passar aí você morre’ eu vou passar e vou morrer porque não sei o que está escrito. Minha caneta era o olho da enxada e o caderno era o chão. Eu comecei a puxar um olho de enxada com sete anos e mesmo assim era incutida com a sanfona. Quando eu chegava da roça com fome eu não ia para as panelas, ia para a sanfona”, relembra.
A rotina de trabalho árduo na roça e no mato continuou após o casamento, quando ela tinha apenas 15 anos de idade e teve a primeira filha ainda aos 16 anos. A essa altura, as festas já aconteciam aqui e acolá, mas a garantia do sustento naquele início era o trabalho braçal com foices, chibancas, enxadas e machados. A necessidade era tamanha que nem mesmo os repousos durante a gravidez eram obedecidos.
“Eu não tive um minuto de repouso na gravidez. Lá no mato eu fazia, lá eu paria e lá eles cresciam. Dos meus nove filhos eu só tive um em hospital. Eu não respeitava bucho e trabalhava até o dia de parir. Se juntar tudo o que eu já enfrentei nessa vida não daria para contar em três meses. O dinheiro da primeira festa que eu toquei serviu para ajudar todo mundo. Foi para comer, vestir e calçar”, conta ela.
Quando se mudou para São Raimundo Nonato ela continuou na rotina de trabalhar nas roças e também chegou a lavar roupa para 18 pessoas em um mês, tudo dividido com as festas que apareciam para tocar naquelas brenhas do sertão. O primeiro transporte usado para levar a sanfona e o zabumba foi um jumento, que chegava a percorrer várias léguas até o local onde seria a festa.
“Uma vez eu fui tocar uma festa de casamento a 4 km de casa com o bucho de nove meses. Eu já estava sentindo umas coisas e quando foi 3 horas manhã deu uma pontada e aí começou aquela dor. Ainda toquei uma hora de relógio após isso e quando vi que o negócio estava aperreando eu entreguei a sanfona a um primo, caminhei com meu marido e aí quando cheguei em casa nasceu meu filho Marciel”, contou a sanfoneira.
Atualmente com 48 anos de carreira, Sebastiana segue ganhando a vida com a música e com o trabalho na roça. Com problemas de saúde no coração e um princípio de Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido recentemente, ela toca em várias cidades e comunidades rurais da região.
Apesar de já ser conhecida, suas festas custam entre R$ 700 e R$ 1.200, dinheiro cujo lucro fica pequeno se colocadas as despesas com os deslocamentos.
Com uma família numerosa de sete filhos e 14 netos, todos bastante unidos, ela destaca uma pessoa que sempre a ajudou, inclusive com a doação de instrumentos e a contratação para apresentações. A arqueóloga Niède Guidon, presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e principal nome da Serra da Capivara, sempre foi uma grande apoiadora da arte musical de Sebastiana.
“Uma pessoa que não posso deixar de falar é a doutora Niède Guidon. Ela colocou meu nome na mídia e hoje para mim é Deus no céu e Niède na Terra. O nome dessa mulher em todo lugar que eu vou tem que ser citado, porque ela foi uma das pessoas que mais me ajudou nesta vida”, disse a sanfoneira.
Alegria que contagia
Sebastiana ostenta uma alegria que se vê em poucas pessoas. As dificuldades e os problemas de saúde nunca a fizeram tirar do rosto o sorriso e o carisma com todos. Nas apresentações ela se remexe, puxa o fole da sanfona e sempre está sorrindo para o público. Para ela, sorrir e estar de bem com a vida é essencial para seguir em frente.
“O que me motiva é Deus em primeiro lugar para me dar esse coração puro, de humildade e feliz. As vezes eu saio de casa doente para tocar, mas a alegria do público me levanta. É uma alegria que vem da alma. Eu posso estar na tristeza que eu tiver, mas quando chego no meio do público eu esqueço tudo”, falou a sanfoneira que tem o sonho de se apresentar em rede nacional e conhecer a dupla Zezé e Luciano.
Além das muitas festas que toca no Piauí, Sebastiana também já se apresentou na Bahia, em Goiás e até em Brasília. No dia em que recebeu a equipe do G1, ela se preparava para viajar e tocar em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia. A banda conta com apenas três pessoas, entre elas o filho Marciel que toca teclado e canta. Nas festas, o marido aproveita para fazer a cobrança na portaria para conseguir aumentar os lucros.
Há dois anos ela fez um empréstimo no banco e conseguiu comprar uma van para as viagens. No carro está escrito “Sebastiana & Banda: a sanfoneira mais querida do Brasil”. Ela revela que nos últimos meses não tem conseguido pagar o veículo. Sem saber ler, Sebastiana não consegue compor músicas e lamenta. “A falta de estudo me deixou abaixo de zero, porque hoje quem não tem estudo não tem nada”, falou.
Orgulho da família
A história de luta, trabalho e alegria de Sebastiana é motivo de orgulho para todos da família. O filho Marciel Torres, que acompanha a mãe em todas as festas, diz que a matriarca é uma guerreira e afirma que ela é vencedora por ter enfrentado de cabeça erguida tudo que encontrou pela frente ao longo da vida, inclusive a morte de dois filhos.
“Mãe é uma guerreira. É certo que toda mulher tem seu valor, mas para passar o que ela já passou para criar a gente e os dois que morreram é difícil. Só meu Deus do céu para abençoá-la e eu agradeço muito a Ele por ter uma mãe como ela, sempre batalhadora e alegre com todas as pessoas”, destacou o filho.