O ‘novo cangaço’ bate à porta do Piauí: bandidos tocam o terror e polícia responde matando

Meio de 1988. Bandidos fortemente armados voltavam como em anos anteriores à praça Félix Pacheco para roubar bancos no Centro da cidade de Picos (capital do Sertão do Piauí, 307 quilômetros de Teresina).

Durante a década de 1980 do Século passado todos os anos bandidos vindos do Ceará, Bahia e Pernambuco assaltavam o Banco do Brasil daquela cidade, a mais próspera comercialmente no interior piauiense. Eram assaltos que rendiam valores correspondentes a milhões de dólares. Essa era (e ainda é) a principal agência de todo Sertão piauiense.

continua depois da publicidade

Naquele meio de 1988 aproximadamente dez homens fecharam a principal praça daquela cidade. Armados com escopetas deram tiros para tudo quanto foi canto. Renderam vigilantes, fizeram mais de cem clientes e funcionários reféns. Ameaçavam matar caso “aparecesse algum engraçadinho”.

O capitão Antônio David, tido como um dos melhores e mais atuantes policiais do 4º Batalhão de Polícia Militar (sediado em Picos), passava nas proximidades do banco. Tentou impedir que os bandidos saíssem da agência. Colocou seu veículo nas proximidades do banco. Foi morto com um certeiro tiro de escopeta que praticamente arrebentou sua cabeça.

O episódio da morte do capitão David, hoje homenageado em Picos com nome de rua e batizando a força tática da PM da cidade (ROCAD – Rondas Ostensivas Capitão Antônio David), gerou a mais espetacular caçada a assaltantes de banco já feita no interior do Piauí.

Vários foram mortos em confrontos com polícias no Sertão piauiense, cearense e baiano. Não sobrou um único membro da quadrilha que promoveu o assalto à Picos e morte do oficial PM.

Desde aquela época o único assalto a banco ocorrido em Picos foi na agência do Banco Bamerindus, ainda no século passado. Dois assaltantes da cidade levaram pouco valor em um crime cheio de trapalhadas. Foram presos horas depois. Faz quase 30 anos que não há um único assalto com terror a bancos em Picos.

A polícia em Picos aumentou os esquemas de segurança nos entornos dos bancos e a fama de que assaltante bancário pode pisar por ali, mas se agir pode não voltar vivo para casa, afastou as quadrilhas. Elas não pararam de aumentar e agir, mas, coincidência ou não, deixaram de atuar em Picos.

Leia ainda: Novo Cangaço envia áudio ameaçando novo assalto ao BB de Curimatá e ameaçando matar policiais no Piauí

Material encontrado com os acusados de fazer parte da quadrilha (Foto PM-PI)

TOCANDO O TERROR
Século XXI. Sociedade da Informação. Mais polícias, mais civilização. Novo cangaço. Sim, quase cem anos depois bandidos teimam em tocar o terror. Armados estilo Estado Islâmico: com material de guerra, preparados para matar friamente e não tendo pena de ninguém.

Praticamente todos os anos as agências das cidades sertanejas piauienses como: Simões, Pio IX, Francisco Santos, Curimatá e Miguel Alves são “visitadas” pelos novos cangaceiros.

Parece que há uma agenda de assaltos a agências bancárias e carros-forte. Dinheiro fácil roubado em uma coragem de matar ou morrer.

O novo cangaço é feito de pessoas cada vez mais jovens. A maioria sequer passou do ensino fundamental. Quase a totalidade começou com pequenos crimes e nas cadeias recebeu pós-graduação em bandidagem, conhecendo assaltantes do tipo. Outra vertente é do ramo familiar. Hoje há esses ramos nas regiões sertanejas do Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, com mais força em Pernambuco, e até em nosso Piauí. Outra vertente está na região de Imperatriz (MA) e interior do Pará.

Estão dispostos a matar, tocar o terror e morrer. Não respeitam ninguém. São cada vez mais cruéis.

Esse era o cartaz de procura-se do líder do bando (Foto: Divulgação)

NOVO CANGAÇO NO SERTÃO DO PIAUÍ E VÁRIOS BANDIDOS MORTOS
Cinco de maio deste ano. Aproximadamente 15 homens chegam à cidade de Curimatá (786 quilômetros de Teresina, pouco policiada e que já teve seu banco do Brasil roubado quase dez vezes) é “visitada” por bandidos. Madrugada de terror para roubarem o banco. Muita violência. Tiros de fuzil, ameaças de matarem os reféns e até de incendiarem as unidades policiais da cidade.

No mesmo tom de 1988 em Picos e sapientes que estariam cara a cara com os maiores cangaceiros em atividade no Século XXI no Sertão nordestino a polícia do Piauí iniciou uma cinematográfica caçada.

Os acusados são a temidíssima família pernambucana Araquan, conhecida no Nordeste por seus crimes cruéis, matando reféns e, principalmente, policiais.

Passado quase duas semanas o saldo é de seis prisões e cinco abatimentos de bandidos. Segundo a secretaria de Segurança Pública do Piauí: todos mortos em confronto com policiais do Piauí, Pernambuco e Bahia na cidade de Morro Cabeça no Tempo (quase mil quilômetros de distância de Teresina).

Acabar com a quadrilha, bem ao estilo faroeste norte-americano: vivos ou mortos, é questão de honra das polícias.

Boa parte dos crimes de assaltos a bancos e roubos de carros fortes é atribuída à quadrilha e suas ramificações.

Em uma guerra nas redes sociais, principalmente no aplicativo Whatsapp, membros da quadrilha prometem voltar, tocar o terror e matar policiais, todos que tiverem pela frente, como diz um dos áudios.

Enquanto isso o secretário de Segurança Pública, deputado federal e capitão PM Fábio Abreu, promete dar jeito à quadrilha. Ele, contumaz caçador de bandidos, esteve participando das operações e já é um dos principais alvos da quadrilha.

Dona Aldenora, mãe de um dos bandidos que tocaram o terror em Curimatá, usou as redes sociais para pedir que seu filho, Cícero Henrique, não seja morto em confronto com a polícia. Prometeu o que a sociedade quer: ver o filho preso e deixando-o por lá.

Se a promessa de Dona Aldenora será cumprida, não sabemos. Mas que a família Araquan promete novas ações, isso é quase certeza. Já a polícia do Piauí quer transformar o restante do Sertão como a cidade de Picos: longe de assaltantes de banco, nem que seja à base da força.

 

Por: Orlando Berti*

* Jornalista e professor universitário. Atua em O Olho via Projeto de Pesquisa de Etnografia das Redações tentando entender o modo de fazer jornalismo no Piauí.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo