Sobre Márcio Pereira de Sousa
Nasceu no dia 1º de outubro de 1972 em São Caetano do Sul-SP, mas cresceu em Picos, cidade de sua família, era picoense de alma e coração. Filho de Adail Pereira de Sousa e Francisca Vilani de Sousa Pereira, (in memoriam). Tinha apenas uma irmã, Anaciara Pereira de Sousa,( in memoriam) e dois sobrinhos André Felipe e Andressa(in memoriam ).
Foi para João Pessoa na década de 90 onde cursou o Ensino Médio, depois mudou-se com seus pais em 95 para Teresina. Nos conhecemos em 1996 e começamos a namorar em 23 de fevereiro de 1997 nosso mês, nossa data. Em 18 de fevereiro de 2006 oficializamos nossa união com a benção de Deus, nesta Paróquia, hoje Santuário de Nossa Senhora das Mercês, em São Raimundo Nonato. Foi um encontro de almas, sabíamos que estávamos destinados a viver uma história de amor. Ele me apresentou para a família dele com menos de uma semana de namoro. A partir de então já não tinha mais os amigos do Márcio, os amigos da Luciene, eram nossos amigos, todos sabem que é assim. Quem me conhece, conhece o Márcio e vice versa.
Márcio, um estudante nato, sempre acalentou o sonho de ser médico, mas enfrentou grandes dificuldades para se preparar para o vestibular. Tentou por 19 anos, sem nunca desistir, foi perseverante. Nesse meio tempo, chegou a passar em vários vestibulares para outros cursos, Letras, matemática, química, Direito, Enfermagem, odontologia, mas não queria, iniciava e desistia. Passou também no concurso do Tribunal de Justiça em Roraima, morou lá até o falecimento de seu pai em 2005. Foi quando sua mãe, pediu que ele retornasse a Teresina para ficar mais perto dela. Não pensou duas vezes, pedido de sua mãe era uma ordem, pediu exoneração do emprego e voltou para Teresina. Reiniciou sua luta para passar no vestibular para medicina. Em 2007 iniciou o curso de enfermagem, mas não se encontrou no curso. Em 2008 foi cursar Medicina no Rio de Janeiro, mas além das dificuldades financeiras, não se adaptou à violência de lá. Em 2012 alcançou a tão sonhada vaga na UESPI. Iniciava ali a concretização de seu maior sonho e um alívio, inclusive para sua mãe que já não aguentava mais ouvir tantas críticas ao seu filho.
Na UESPI sua vida não foi fácil e essa parte de sua história, por mais que doa, não pode deixar de ser mencionada. Sofreu todo tipo de discriminação por parte de alguns professores e até mesmo colegas de curso. Ele sempre se questionava que nunca teve problemas nos outros cursos que frequentou, mas na UESPI, havia um entrave. No início do curso, enfrentando dificuldades, mudou de turma para tentar melhorar então ingressou na turma 29, sua turma de coração, foi onde fez amizades e se sentiu mais acolhido. Lá encontrou a Amanda, como ele mesmo dizia, sua filha de coração.
Em dezembro de 2013, veio o maior golpe de sua vida, perdeu toda a sua família em um acidente de trânsito, foi devastador, uma dor inimaginável. Com tudo isso, ele deu continuidade ao curso, aos poucos estava se reerguendo, mas os problemas aumentaram, triste, depressivo e sem ânimo, era mal interpretado e chegou a ouvir por diversas vezes de professores, que seria melhor ele desistir do curso. Passei a ouvir mais suas queixas e a acompanhar a sua vida acadêmica. Procurei a Reitoria e fizemos várias denúncias de discriminação e de racismo velado e até explicito, que ele sofria. Como de praxe, a maioria das pessoas achavam que era mimimi( é a moda, para camuflar esse crime horrendo). Alguns professores da UESPI, no primeiro dia de aula fazem um discurso se posicionando contra as cotas para ingresso dos alunos nas universidades, quem é aluno de Medicina da UESPI, sabe que estou falando a verdade. E lógico que com o biotipo do Márcio a fala e o olhar do professor se direcionava a ele. Ele ficava indignado.
Sofreu diversas reprovações, umas ele aceitava como justas, outras ele não aceitava, porque no Curso de Medicina da UESPI uma boa parte dos professores não entrega as avaliações após as correções e ele desconfiava que não era avaliado com a mesma medida que seus colegas. Inclusive chegou a solicitar várias revisões de avaliações, até mesmo na Justiça, mas não deu em nada. O que diziam é que era incompetência dele, porque os outros passavam. Houve episódios que a nota do seminário de todos os grupos era igual para todos os alunos de seus respectivos grupo, mas a do Márcio era menor que a dos colegas, mesmo que outra pessoa tivesse apresentado o trabalho e a nota valesse para todos. A implicância de alguns professores era tão forte, que tinha colegas de turma que se recusavam a fazer trabalho em grupo com o Márcio, temendo tirar uma nota baixa.
Com o curso estagnado, por reprovações nas mesmas disciplinas, foi obrigado a mudar de currículo por intransigência da UESPI e dessa forma saiu da turma 29, outro golpe duro. Ficou vários períodos sem matrícula, por erros da Instituição, propositais ou não.
Em 2019 após cursar 19 disciplinas das 21 impostas pela mudança de currículo e faltando apenas as duas que ele não foi aprovado, nas 4 vezes em que as cursou, para integralizar o currículo e entrar no internato, conseguiu vaga na Universidade Federal do Ceará para cursá-las. E assim fez e foi aprovado de primeira e com mérito nas provas práticas, ficou entre os melhores da turma. Sobre a UFC ele me dizia, Luciene, lá eu fui tratado como gente e como aluno do curso de Medicina.
Ao retornar a Teresina, embora a Pro- Reitoria de Ensino e a ASSEJUR terem dado parecer favorável e colocado suas notas trazidas da UFC em seu currículo, o Colegiado de Medicina se negou a aceitar a entrada dele no Internato. Travamos mais uma longa batalha na UESPI, recorremos ao CEPEX e finalmente em setembro de 2020, ele foi matriculado no internato. Mesmo assim não conseguiu iniciar por resistência do colegiado de Medicina e da coordenação. Fomos aconselhados a ingressar na Justiça e nos negamos porque achávamos inadmissível um aluno estar matriculado e não poder entrar na sala de aula. Fizemos esse questionamento e insistimos que a Pro Reitoria de Graduação é que deveria resolver tal situação. Ameaçamos levar o caso para o MP ,MEC, CNE e imprensa. Com isso, a Pro Reitoria solicitou que o Coordenador de Medicina providenciasse o ingresso do Márcio no Internato. Para assegurar que essa história é verdadeira, são mais de 500 páginas de processo e está publicado no SEI.
Depois de muita batalha, em dezembro de 2020 ele iniciou o Internato. Estava muito feliz, além de ingressar no internato, conseguiu autorização para cursar 25% dele na UFC. Estava de malas prontas para iniciar o ciclo no Ceará no início de Abril.
Cobrava todos os dias a vacina para os internos, estava muito preocupado, ele nunca teve tanto medo como recentemente. No estágio no Hospital Natan Portela, apesar do medo, ele estava feliz, foi muito bem acolhido pelos preceptores e pelos funcionários do hospital.
No dia 22 de março, foi internado no Natan Portela e o desfecho dessa história é o motivo de estarmos hoje aqui, rezando pela sua alma.
Como esposa dele e pessoa que acompanhou e sofreu junto com ele, não poderia deixar de mencionar essa parte de sua história, sei que isso não o trará de volta, mas é uma forma de honrar a sua luta.
Está bem resumido, impossível contar tudo o que ele sofreu na UESPI. De alguma forma a UESPI, já vinha matando o Marcio aos poucos, quando não solucionava os conflitos por ele vivido na Instituição. O que ele passou apenas, pessoas perseverantes e fortes como ele conseguem suportar. Ele dizia sempre que estava cansado de ser humilhado e se perguntava o que havia feito de errado. Um erro ele poderia tentar corrigir, mas a sua cor ele não podia mudar.
Que sirva de alerta para todas as Instituições de Ensino, ficarem atentas e não fazerem com outros o que fizeram com o Márcio. Quero deixar claro também que essa situação não se estende a todo o corpo docente e gestores da UESPI, ele sempre elogiava seus professores, pela competência e compromisso, até mesmo os que o discriminavam, ele nunca questionou a capacidade deles e sempre os respeitou. Com relação aos gestores, tivemos nesses últimos anos, apoio, por parte da Reitoria e Pro- Reitoria, CEPEX, ASSEJUR e Núcleo de Acessibilidade da UESPI, para resolver essa situação, principalmente depois de apresentarmos os argumentos e a vasta documentação que provava o que estávamos dizendo.
Nesse período difícil da vida dele, também não posso deixar de mencionar o apoio que ele recebeu da Dra. Krieger Olinda, Psiquiatra, que voluntariamente cuidou dele de 2015 até agora. A considero uma amiga. Ela foi luz na vida dele e na minha.
Sobre a parte boa de sua vida, Márcio é um ser humano com um coração maior que ele, sempre disposto a ajudar, colaborar com todos. Católico e devoto de Nossa Senhora de Lourdes.
Gosta de viajar e de estar com os amigos. Festa era com ele mesmo, não importava o motivo, se tivesse um aniversário de boneca e ele fosse convidado ele ia e ainda se oferecia para ajudar na organização. Não fumava, não bebia, seus vícios eram comer bem e comprar livros. Uma pessoa sem vaidade, usava sempre o mesmo tipo de roupa, não importava a ocasião.
Ele sabe, mas quero reforçar que ele me fez muito feliz. Não mediu esforços para me agradar, fez até o que ele não gostava. Certa vez me disse que nunca iria em um estádio de futebol, no entanto, quando fui visita-lo no Rio de Janeiro, no período em que esteve lá, ao chegar, já me surpreendeu com os ingressos, para assistir ao jogo do Flamengo no Maracanã, e já havia marcado uma visita à Gávea. Ele além de não curtir muito futebol, o time dele é o São Paulo. Ficou tão emocionado quanto eu, naquele dia.
Picoense de coração, se acostumou e passou a gostar de São Raimundo Nonato, minha cidade Natal. Também fez planos de morar lá. Terra onde foi bem acolhido por minha família e amigos, como já falei nossos amigos, nossa família.
É Negão, já estou sentindo muita saudade. Prometo me esforçar para não lamentar o que deveria ter sido e sempre agradecer pelo que fomos. Obrigada por esses 24 anos de amor, companheirismo, amizade, cumplicidade e de muita luta. Você, é um guerreiro, um vencedor, tenho orgulho de sua história, de nossa história. Você partiu para outro plano, mas nosso amor é eterno. Permanecerás vivo em meu coração! Quando chegar a minha hora, espero que nossas almas possam se encontrar e se conectar novamente.
Fique em paz! Te amo!