A porta escancarada, com placa de bem-vindos.

Que esperança teriam os jihadistas se reconhecessem em nossa civilização uma instalação consciente, duradoura e profunda daquilo que amamos, ensinamos a nossos filhos e carregamos dentro de nós sob o signo da herança tradicional?
Na obra de Julián Marias existe um conceito importantíssimo para compreensão de sua antropologia: o de instalação. Sendo o homem uma estrutura – dinâmica e dramática – está no mundo por meio das instalações (raça, idade, língua, condição sexuada, etc). Na perspectiva do pensador espanhol, as instalações são instrumentos de presença, e analisá-las ajudaria no conhecimento apropriado da realidade humana. Por serem naturais – não existe um homem sem raça, língua ou sexo – permitem, a partir da radicalidade individual, inferir a respeito de toda a espécie.

Entretanto, há muitos modos de estar. Julián Marias falava da estrutura da condição humana; a isto podemos acrescentar as instalações existenciais, no sentido de que são frutos da liberdade do homem (de sua forma única e irrepetível de absorver suas circunstâncias e ir vivendo). Partindo disto, a maneira como alguém conduz sua vida, relaciona-se com os amigos, ama, professa sua fé ou encarna uma cultura seriam categorias dessas instalações a que chamo existenciais. A estrutura empírica de Marias é a priori; o conjunto de instalações existenciais – marcadas pela alteração, temporalidade e as variantes psicológicas – concreção individual do pressuposto (o próprio autor explicou, diversas vezes, que é preciso “possuir” as próprias instalações, como acontece quando aos poucos conhecemos e tornamos pessoal a língua materna). Para resumir a ideia deste parágrafo: ter uma idade é condição; sentir-se bem com 40 anos é resultado de uma feliz instalação existencial.

Levando em conta este conceito – decorrente do conceito do próprio Julián Marias – podemos dizer que cada um está melhor ou pior instalado existencialmente em cada uma das realidades humanas (ou categorias). Há quem esteja muito bem com sua condição sexuada, e há quem esteja participando da marcha das vadias. Isto parece estar claro. O que me interessa aqui são as consequências das más instalações.

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Alguém que não se instala adequadamente na língua é um bárbaro, no sentido etimológico da palavra (aquele que balbucia). Já quem escreve com precisão análoga à de Machado de Assis ou Fernando Pessoa dá a impressão de estar absoluta e pessoalmente instalado nela. Neste caso, a consequência da péssima instalação é a barbárie e o aumento da probabilidade de que o português será um segredo esotérico futuramente.

Qual a consequência de uma sociedade inteira estar mal instalada em sua cultura? Em sua história? Nos princípios que moldaram sua realização no tempo?

Não é preciso pensar muito. Na última sexta-feira, tivemos um trágico exemplo. Se há uma verdade incontestável, é a de que europeus ocidentais estão há muito sofrendo existencialmente com as próprias instalações. Num geral, não conseguem possuir a si mesmos, responder à altura daquilo a que são chamados a ser. A “levitação” politicamente correta, massificada e desinteressada radicalmente com que carregam suas vidas sobre os temais mais importantes – religião, valores, artes, história – é um dos principais elementos de enfraquecimento da estrutura formada pela sociedade a que pertencem. A quem é mais fácil convencer? Àquele que está convicto da sua perspectiva histórica e dos valores a que deve sua forma de vida, ou àquele que tem dúvidas inconfessáveis, julga tudo pelo viés do criticismo cult e devota suas orações fingidas no altar ecumênico da ONU?

Quais casamentos correm riscos de infidelidade? Certamente aqueles em que os dois – ou um dos dois – estão mal instalados; portanto, volúveis. O raciocínio se aplica a todas as categorias da vida humana: perde-se aquele amigo que não era bem amigo; converte-se a uma nova religião aquele que não era um praticamente muito crédulo; questiona-se o regime político que não representa verdadeiramente as aspirações de seu povo. Ou seja: as más instalações são, para usar o português claro, ouro para bandido.

Que esperança teriam os jihadistas se reconhecessem em nossa civilização uma instalação consciente, duradoura e profunda daquilo que amamos, ensinamos a nossos filhos e carregamos dentro de nós sob o signo da herança tradicional? Que chances teriam os porta-vozes destas perigosas guerras e revoluções, se fossem forçados a admitir que o Ocidente está vivo?

Mas, ao que tudo indica, ele respira por aparelhos. A recuperação ou a morte dependem de um sério exame de consciência – feito, primeiramente, por cada um de nós e vertido, a posteriori, nos discursos políticos. Discursos como o do primeiro-ministro britânico David Cameron, na ocasião da celebração da Páscoa deste ano (acusado, aliás, de sectarismo). Enquanto isso não for a norma – e não a exceção -, continuaremos acamados, irritados porque alguém de pé e mais saudável do que nós está cuspindo em nosso leito – sem que nada possamos fazer.

“Este país é cristão”, disse Cameron.

fonte:midiasemmascara.org

Escrito por Tiago Amorim | 19 Novembro 2015
Artigos – Cultura

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