Em 1984, quando cursava o segundo ano da graduação em musicoterapia, em Curitiba, tive uma experiência familiar que definiu o rumo de minha carreira profissional.
Minha irmã estava grávida de seu segundo bebê; uma gestação um tanto conturbada. Morávamos juntos e com relativa frequência eu tocava na flauta transversa a Ária para a quarta corda de J.S. Bach, melodia que ela muito apreciava.
Quando a Camila nasceu percebemos que ela demonstrava uma reação especial àquela música. Se estava chorosa sem um motivo fisiológico aparente, era só cantarolar a Ária que ela ficava prestando atenção e se acalmava. E essa música foi um importante recurso nos cuidados com o bebê.
Na faculdade nenhuma matéria abordava esse tema. E eu já tinha decidido que trabalharia com gestantes e seus bebês.
De 1987 a 1992 dediquei-me intensamente ao estudo e pesquisa sobre a possibilidade de a música poder ser utilizada como recurso de qualidade na relação com o bebê desde a gestação. E, desde 1993, trabalho exclusivamente com gestantes, famílias grávidas e seus bebês em sessões de musicoterapia, palestras e cursos.
Desenvolvi um método de musicoterapia, denominado Bebê do Futuro, e, agora, neste breve artigo, pretendo informar a gestante e seu universo significativo: a família grávida, sobre como utilizar a música e seus elementos constitutivos para o estabelecimento da comunicação pré-natal e dos seus benefícios no relacionamento com o bebê desde a gestação.
A partir de quando o feto ouve no cérebro? O que ele ouve? Como ele ouve? Como utilizar esses conhecimentos para preparar o terreno para a comunicação e o relacionamento com nossos bebês desde a gestação? Iremos direto ao ponto.
Na vigésima semana de gestação o aparato neurofisiológico auditivo já está maduro para receber vibrações sonoras, mas o conduto auditivo externo está ainda bloqueado por uma massa de células epiteliais que protegem o desenvolvimento do tímpano (membrana que captura e transmite as vibrações sonoras à orelha média e interna). Na vigésima primeira semana esse tampão se desfaz e o tímpano fica exposto e em contato com o líquido amniótico. No líquido, o som se propaga com uma velocidade quatro vezes maior que no ar.
Vejamos quais são os sons do corpo da mãe gestante que o chegam até o feto: os batimentos do coração (a pulsação rítmica, de 60 a 220 batimentos por minuto, dependendo do relaxamento, atividade física, sustos e demais situações da vida da gestante), a circulação sanguínea periférica ao útero e do cordão umbilical (aquele som da ultrassonografia), o diafragma e a respiração, o sistema digestório (movimentos peristálticos e órgãos ocos), as articulações do esqueleto e os passos da mãe. Esse é o universo sonoro intra uterino.
Não se impressionem. O bebê em gestação não está ouvindo, acordado, 24 horas por dia. A natureza assim não permitiria. Ele tem um ciclo de sono e vigília característico: dorme de 18 a 20 horas por dia (só se cresce dormindo), está experimentando as sensações – principalmente as auditivas – apenas no tempo restante.
Em pesquisas realizadas conjuntamente em diversos países, nas décadas de 60 e 70 do século passado, os cientistas, fazendo uso de microhidrofones colados à parede uterina, registraram todo esse ambiente sonoro do corpo da gestante. No meio de uma dessas experiências, a gestante falou algo e quando ela o fez, as agulhas dos antigos sensores foram ao pico, ao máximo. Os pesquisadores surpresos pediram que a gestante falasse de novo e de novo. E chegaram à conclusão de que o principal som que o feto ouve é o da voz humana: a voz da mãe gestante (embutida que está) e a voz de quem fala próximo ao ventre materno.
Essa informação – que a voz humana é o principal som que o feto ouve – é muito importante. Posterior a essas pesquisas surgiu a neurociência da comunicação pré-natal, que é a possibilidade de nos comunicar com nossos bebês desde a gestação.
Outra informação valiosa para as gestantes e famílias grávidas é a de que a memória auditiva também já começa a se estabelecer durante a gestação, isto é, o bebê, depois do nascimento, reconhece os sons que ouviu com regularidade durante a gestação, principalmente as vozes.
Muito bem! O feto já pode ouvir desde a 21ª semana, sabemos os principais sons que ele ouve, mas vale informar também como ele ouve. O feto está imerso no líquido amniótico, num ambiente rico em estímulos sonoros. Mas, segundo as leis da acústica, imerso no líquido não poderíamos ouvir as palavras articuladas como aqui ao ar livre. Então o que chega ao feto é o timbre, a entoação e a frequência da nossa voz; e nenhuma voz é igual a outra. Depois do nascimento, o bebê reconhece as vozes que ouviu com regularidade durante a gestação, e, agora sim, vai ouvir (e aprender) as palavras articuladas, o idioma e o sotaque.
Mas, se o principal som que o feto ouve é a voz humana, vamos à parte prática deste artigo: como utilizar a voz para estabelecer a comunicação pré-natal, para nos comunicarmos com nossos bebês desde a gestação.
Dentro do método de musicoterapia para gestantes e famílias grávidas Bebê do Futuro estabelecemos três maneiras de utilizar a voz: falando, contando histórias e cantando. Vejamos cada uma delas brevemente.
Falar com o bebê em gestação. Pode parecer uma conversa unilateral mas vocês já estarão imprimindo na memória do feto o timbre, a entoação e a frequência de suas vozes. Depois do nascimento suas vozes serão um referencial de conforto para ele. Mas falar o quê? Falem de Deus, de sua religião, do nome que vocês estão escolhendo, dos planos pro quarto, sobre os brinquedos, as cores, a natureza, o time de futebol. Estimulem os familiares a falar com o bebê na barriga.
Contar histórias é outra atividade interessante que já rendeu pesquisas também. Durante a gestação contem com regularidade e prazer uma ou duas histórias infantis, interpretando-a; quando o bebê estiver mamando no peito, contem as mesmas histórias e observe a reação dele: demonstra especial atenção, suga com maior intensidade e fica mais tempo sugando. Se nutre mais. Aquela sequência sonora da história lhe é familiar e confortável.
Mas é quando cantamos que imprimimos uma vibração especial na energia da voz. Deduz-se daí que o feto ouve especialmente a voz cantada. Mas cantar o quê? Bem, cante o que você gosta; com bom senso pois você está cantando para um bebê que nem nasceu ainda. No Brasil temos um rico repertório de canções infantis que pode ser utilizado.
Escolham as suas músicas preferidas e cantem com regularidade e prazer para o bebê em gestação. Importante: não basta ligar o som e colocar o CD para tocar; nem mesmo colocar o fone de ouvido na barriga. O som que chegará a ele será muito tênue. Para potencializar a audição das músicas cantem as letras ou cantarolem as melodias, é através das vozes que ele ouvirá as músicas. Depois do nascimento, aí sim, coloquem os CDs que cantaram durante a gestação. Será confortável para o bebê ouvir melodias que reconhece, agora com vários timbres, ritmo, harmonia e arranjos. Será um referencial de conforto para o bebê. E um ótimo recurso para os pais e cuidadores criarem um ambiente adequado e agradável para as atividades com o bebê.
Quando estiverem amamentando no peito, cantarolem as melodias da gestação, contem as histórias ou coloquem o CD; observem o bebê: o ritmo da sucção, o tempo da mamada e a atenção que ele demonstra. As músicas conhecidas estimulam a amamentação.
Enfim, o principal som que o feto ouve é o da voz humana e especialmente a voz cantada. As melodias da vida intra uterina serão um referencial de conforto para o bebê. Podemos preparar o terreno para a comunicação e para o relacionamento com nossos filhos desde a gestação através da música.