Apesar de animada para conhecer aquele local, os planos de Niède foram atrasados pela ditadura militar de 1964. A arqueóloga exilou-se na França e viveu em Paris por oito anos.

Só em 1973 Niède conseguiu visitar São Raimundo Nonato pela primeira vez. A partir daí, a pesquisadora passou a lutar pela preservação do patrimônio histórico presente naquela região.
Desde então, Niède liderou diversas escavações. Ela e sua equipe descobriram centenas de sítios arqueológicos, com pinturas e gravuras rupestres datadas de até 12 mil anos de idade.
Mas um dos seus grandes desafios para essa preservação foi a pobreza. “Nos primeiros anos aqui [na Serra da Capivara], percebemos que a pobreza que reinava na região nunca ia permitir proteger o legado pré-histórico do parque. Uma pessoa com fome só pensa como vai resolver o problema imediato”, contou Guidon em entrevista de 2023.
Os sertanejos que ali estavam viviam da agricultura de subsistência e não tinham acesso a serviços básicos, como energia elétrica, educação e saúde. Por isso, paralelamente às pesquisas arqueológicas, Niède e sua equipe mobilizavam autoridades, instituições e políticos para voltarem os olhos à região.
Em 1979, o governo federal criou o Parque Nacional da Serra da Capivara. Com mais de 100 mil hectares, a área abrange os municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias.
Entretanto, a arqueóloga sabia que apenas delimitar a área do parque não seria suficiente. Também era preciso fazer um trabalho social no cotidiano dos moradores da região.
Em 1986, Niède criou a Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), entidade administrativa do parque. Desde o início, a fundação teve como objetivo o desenvolvimento socioeconômico e cultural da região. O plano de manejo do parque incluiu a integração da população local às ações de preservação.
Com a criação do parque, algumas famílias tiveram que deixar suas casas. Niède fez o possível para realocá-las e encarou como uma batalha pessoal o direito à moradia, embora enfrentasse obstáculos políticos. Algumas pessoas conseguiram melhorar de vida com as novas oportunidades, apesar de outros terem perdido suas terras e precisarem deixar a região.
Desde a chegada da “doutora”, como Niède é conhecida por alí, muita coisa avançou em São Raimundo Nonato. Uma série de demandas se concretizaram, como a construção de uma fábrica de cerâmica, restaurantes, hotéis e pousadas, o desenvolvimento da apicultura na região e o aeroporto do município.
Sempre digo que só fiz meu trabalho e agora vejo a região mudando rapidamente, crescendo com uma importante participação da população local. […] Ainda falta, mas, me parece que agora é sem retorno. A Serra da Capivara está no mapa do mundo.Niède Guidon
