No Nordeste, Lula “esquece” Moro e elege imprensa, elites e governo como inimigos

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem usado a caravana que faz ao Nordeste para deixar claro que já elegeu seus inimigos pós-impeachment de Dilma Rousseff. Ele elevou o tom das críticas a três segmentos que, em todos os discursos feitos até agora, tiveram ataques: a imprensa, as elites e o governo de Michel Temer (PMDB).

Outro que já foi alvo de Lula, o juiz federal Sérgio Moro só foi citado uma única vez, em Salvador, mas quando Lula disse que “não gostaria de falar dele” porque vai prestar depoimento dia 13 ao magistrado.

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No domingo (20), Lula começou o giro por Sergipe com ato público em Estância, após visita à Bahia. Antes de seguir para Alagoas, ainda serão visitadas no Estado os municípios de Lagarto, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória e Aracaju.

Os jornalistas se tornaram alvo frequente de Lula em seus discursos no Nordeste. O alvo principal continua sendo a Rede Globo, mas o ex-presidente tem usado ataques mais genéricos para desqualificar profissionais de imprensa –sem citar nomes.

“Eu respeito muito os jornalistas, mas não respeito nada quando eles são desonestos. É por isso que eles sabem que, se por acaso um dia eu voltar a ser presidente da República, certamente têm algumas coisas que precisam acontecer”, disse Lula, em discurso a trabalhadores rurais em Feira de Santana (BA), no sábado (19).

Beto Macário/UOL

Militante com faixa pró-Lula durante passagem de caravana por Estância (SE)

O distanciamento dele com a imprensa nesta viagem é percebido, por exemplo, pela falta de entrevistas coletivas. Até o momento, Lula só concedeu entrevistas exclusivas ao jornalista Mario Kertész, da rádio Metrópole, e à TVE da Bahia (emissora estatal pertencente ao Estado governado pelo petista Rui Costa). Não há previsão de qualquer fala dele com os jornalistas que o seguem durante a viagem.

Até a presidente do PT nacional, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), se recusou em dois momentos a conceder entrevistas quando procurada por jornalistas. Outros deputados e senadores petistas e aliados, porém, conversam com a imprensa.

Além disso, não foi montada nenhuma estrutura para receber a imprensa durante os eventos no Nordeste, que são obrigados a se virar para cobrir atos em meio ao público. Alguns profissionais de imprensa chegaram a ser hostilizados por militantes, que insistentemente usam o termo “mídia golpista”.

Em Cruz das Almas (BA), Lula usou o discurso a jovens para atacar as TVs. “Não é possível que este povo se informe pela rede Globo, por televisões que só passam filmes estrangeiros. Não colocam filmes brasileiros em horário nobre. Neste país, até debate político acontece quase à meia-noite, quando o povo está dormindo. Parece que eles são só para formadores de opinião”, afirmou.

Eu respeito muito os jornalistas, mas não respeito nada quando eles são desonestos. É por isso que eles sabem que, se por acaso um dia eu voltar a ser presidente da República, certamente algumas coisas precisam acontecer

Lula, em discurso em Feira de Santana

Elite na mira

Lula também não tem poupado ataques às elites. Para ele, os grandes empresários do país ganharam muito dinheiro em seu governo, mas seriam mal-agradecidos. “Empresário gosta de duas coisas: pegar dinheiro emprestado no Banco do Brasil e não pagar depois”, disse, em Cruz das Almas (BA), em fala a estudantes no Festival da Juventude. “O rico, além de pegar financiamento, sai falado mal da gente, é ingrato. Quando dá R$ 20 a uma pessoa humilde, ela agradece e vai levar comida para casa”, afirmou em Feira de Santana.

Em todos os discursos, o ex-presidente costuma citar o termo “eles” para ser referir aos inimigos estabelecidos. “Eles sabem que posso consertar o país”, “eles me perseguem”, “eles não gostam de quem gosta de pobre”, por exemplo, são frases comuns em falas. A tática clara de Lula mira conquistar o apoio das classes sociais mais baixas, culpando os “segmentos inimigos” por diferenças regionais e sociais.

Nesse domingo, elencou os vários motivos que fariam a elite não gostar dele. “Eles não se importam com o fato de termos criado 22 milhões de empregos com carteira assinada. A elite não nos perdoa porque todas as categorias tiveram por 12 anos aumento real. Não nos perdoa porque aumentamos o salário mínimo em 74%. Não nos perdoa porque transformamos a empregada doméstica de verdade, com direito. Não me perdoam porque os pobres passaram a ocupar aeroporto, frequentar shopping. Ele deixou de comer acém para comer filé, contrafilé; porque deixou de comer pescoço e pé para comer coxa, sobrecoxa e peito de frango. Os pobres começaram a comprar computador, laptop, a ter aquilo que todo ser humano tem direito de ter”, afirmou.

Ataque ao governo

Sobre o governo Temer, Lula reclama dos cortes no orçamento e das reformas propostas e diz que ele representa apenas setores da imprensa e da elite. “Ele não representa o povo, ele representa uma parte da imprensa –que trabalhou contra a Dilma– e representa os deputados picaretas que votaram no impeachment”, disse.

Lula repete que o governo está arruinando o país e chegou a dizer, em Feira de Santana, que o Brasil está “sem governo”. “Ninguém governa comprando senador, deputado, cortando orçamento dos programas sociais. Eles estão destruindo tudo de bom que deixamos. Não é justo que o trabalhador pague a culpa da desgraça desse país”, afirmou.

Beto Macário/UOL

Lula com a família do ex-governador Marcelo Déda (PT-SE), morto em 2013

Nos discursos, sobra também para governos passados. Um outro exemplo citado com frequência pelo presidente no Nordeste é o tratamento que governos anteriores deram à convivência com a seca no semiárido. “Agora a fome está voltando porque o Brasil está sem governo”, diz, citando que, mesmo com a maior seca dos últimos 100 anos, não se vê saques ou pessoas passando sede ou fome no Nordeste.

Lula também lembra as dezenas de faculdades que criou em seu governo e diz que “o PT fez mais que todos os governos anteriores juntos”.

Ninguém governa comprando senador, deputado, cortando orçamento dos programas sociais. Eles estão destruindo tudo de bom que deixamos. Não é justo que o trabalhador pague a culpa da desgraça desse país

Lula, ao criticar o governo Michel Temer

Autonomia

Segundo apurou o UOL, Lula tem o costume de tomar a frente dos discursos e até mesmo reluta em reduzir a frenética agenda de compromissos que vai ter nesses 21 dias –quando concluir, terá passado por 25 cidades nos nove Estados da região.

“O pessoal que me acompanha está dando bronca porque acham que tenho de falar menos, que eu falo demais. E eu preciso cuidar da garganta, chegar no dia 6 de setembro inteiro. Tenho que chegar como um galo-de-briga falando grosso”, disse.

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